TELEQUETE
ALM No.84, January 2026
SHORT STORIES


Uma memória antiga a casa infestada de formiga. Os primos não podiam vir pro fim de semana, que dormiam no chão e agora não dava: preto de formiga. Delas o chão. Ele colocava veneno e aí esperava com a vassoura na mão que todas morressem, em hordas, umas quatro ou cinco faxinas por dia, durante uns quatro ou cinco dias, elas nascendo só pode que no telhado. Curioso isso. Quatro ou cinco meses depois de novo tudo delas. E a gente ali, dormindo, comendo. Ele o limpador e o cientista. Me chama — talvez tenha colo nessa cena, não lembro — e mostra no buraquinho do forro o cortejo fúnebre, cada operário carregando morto um colega, andando até a boca do precipício e soltando lá de cima o corpo. Parte do escuro no piso o descarte do teto. Ele explica a insetologia da coisa. Eu lembro assim.
A vassoura sempre na mão. Atribuí a obsessão ao trauma. Mataram o irmão ele ainda era pequeno. Confundido com traficante rival ou então era mesmo traficante rival, que nunca falaram muito disso. Perfurado por objeto de ponta redonda e os pés virados pra trás. Tem que ter aí alguma relação com a raiva que ele sente quando deixam virado o pote de ketchup na geladeira ou quando a garrafa de água gelada transpira uma gotinha na mesa mas que eu já ia limpar era só terminar de beber a água. A vassoura sempre na mão em toda lembrança. Ele limpa por cima da limpeza dos outros. Uma coisa é ser cortado no fio do facão, outra é te cravarem um cabo de enxada. Tem que ser isso. Os cuidados domésticos toda uma violência. O Curupira na vala com a boca cheia de formiga. É isso? E a catchphrase: o detalhe faz toda a diferença.
Vassoura e pazinha sempre empunhadas. Atribuí a obsessão à fantasia. Encostado desde sempre mas os homenzinhos precisam aprender a ser homens e o trabalho faz o homem. É preciso trabalhar sem emprego. Limpador e vigilante e roteirista. Juíz e executor. O Detalhe e a Diferença. Eu acho que é isso, a necessidade de não ser à toa, de dar exemplo, de ser homem e ensinar a ser homem. O medo de que alguém ali não seja, que ele. Na cabeça dele a frase do detalhe uma coisa genial. Regra: pra tomar banho, avisa, que só ele sabe ligar o chuveiro senão queima e ele tem que gastar dinheiro com resistência nova e ninguém cuida de nada nessa porra. Um homenzinho já sem roupa e ele entrando aos gritos pra ligar o chuveiro que tem que avisar nesse caralho. Um formigueiro. Deve ser difícil isso de pai. Eu artista a arte seria esse terror de casa pequena e a tentativa de um ressentimento perfeitamente sublimado.
Falsificção: no ringue, Máscara Escarlate esmaga O Carrasco com um poderosíssimo pontapé voador.
Leonardo Montoya is a writer based in Porto Alegre, Brazil. His focus is on the imaginative process at the heart of both writing and reading. He explores the way we invent stories and how the reader's own imagination brings those stories to life, looking past the simple boundary between reality and fiction.

