1 Introdução
Nascido do modelo capitalista que marcou vincadamente o período seguinte à Revolução Industrial e que, de forma mais ou menos vincada, alimentou a escalada autoritária dos anos 30 do século XX, o neoliberalismo (que, na verdade, será uma fase terminal daquilo que seria o «capitalismo clássico») tem vindo a sofrer evoluções notáveis, transformando a ideologia de mercado numa filosofia de vida, numa espécie de motto seguido por todos, sem qualquer espaço para pensamento crítico.
Ao sermos confrontados com esta nova realidade, cada vez mais violenta e perturbante, são levantadas várias questões: (1) dentro daquilo que seria a «nova e melhorada» máquina neoliberal em que vivemos, será possível reconhecer os mecanismos autoritários (por paradoxal que possa parecer) desta nova forma de «liberdade»? (2) Como poderão as populações despertar para o real reconhecimento da manipulação de que são alvo para que, talvez um dia, após a queda ou desmantelamento do sistema capitalista, recuperem a individualidade e agência da própria vida que o neoliberalismo e o capitalismo como um todo lhes roubaram cobardemente?
A resposta, de forma generalista, parece bastante simples: a organização dos trabalhadores; o movimento operário seria a única força com capacidade para combater a ganância corporativista que, atualmente, manipula governos, dirige lobbies e explora grupos marginalizados. O obstáculo principal? Já não falamos apenas da vida profissional de cada indivíduo; a máquina estatal neoliberal alastrou-se a todos os cantos da vivência humana, retirando-lhe a sua essência e fazendo com que a problemática ultrapasse os limites do trabalho e invada tudo o resto.
Desta forma, é imprescindível compreender as consequências desastrosas que decorrem da aplicação da lógica do mercado à sociedade, como o agravamento do neocolonialismo no seio de um fenómeno de Globalização (aparentemente) inofensivo, que gera verdadeiras crises de direitos humanos um pouco por todo o mundo, tendo apenas como objetivo principal e supremo o lucro – margens de lucro absolutamente pornográficas.
A verdade é que o neoliberalismo já não é uma mera teoria económica, mas sim toda uma orientação política até um estilo de vida, que agora controla todas as esferas da vida pública e privada, influenciando e fabricando preferências, escolhas e decisões, sem que os indivíduos não reparem que estão a ser controlados, pensando, até, que não são afetados pelo sistema e que estão «off the grid».
Assistimos ao fenómeno da política de identidades, vivida com cada vez mais intensidade, é uma instrumentalização da vida pública que apenas visa o colapso do Estado Social e um claro ataque às liberdades civis – as verdadeiras liberdades civis (Giroux 2005). É esta a ditadura do capital, que se encontra, agora, ocultada por uma aparente noção de liberdade, enquanto a população é mergulhada no individualismo narcisista, que apenas existe para permitir a continuação da exploração ao serviço do lucro – veneramos e idolatramos, enquanto sociedade, absolutos narcisistas; vemo-los como o objetivo máximo, como representação de um ideal. O perfil ideal é o de quem não se preocupa com ninguém à sua volta, apenas consigo mesmo e com as suas necessidades, numa clara tentativa de vivência apenas para si e nunca para os outros, eliminando a concorrência à primeira oportunidade e não tendo a capacidade de reconhecer o quão errado esse padrão comportamental é realmente (Morelock e Narita 2021).
Sendo tão premente desmascarar esta «narrativa neoliberal» (Wrenn 2015), torna-se, também, essencial, compreender a forma como este novo modelo ditatorial nos é imposto e porque é que o seu desmantelamento é uma tarefa tão difícil na sociedade neoliberal, que vive imersa na sua própria imagem ao ponto de não conseguir identificar exploração, manipulação ou, pura e simplesmente, mentira.
É desta forma que o presente artigo pretende abortar a questão neoliberal: enquanto modelo político e social, que possibilita a utilização de métodos ditatoriais para perpetuar o seu próprio poder e influenciar as massas, alienando-as numa bola de neve gigante que não para de aumentar, seja a nível pessoal, social, económico ou global, em todos os aspetos da vida dos indivíduos, esclarecendo esta perda de agência intencional, os fenómenos ditatoriais potencializados pelo neoliberalismo e o neocolonialismo filho da globalização.
2 Neoliberalismo e (perda de) agência
Ainda que, ao utilizar «grandes conceitos», possamos estar a abrir as portas à generalização e ao abuso linguístico, que reduzem discussões políticas a meras questões de semântica e sintaxe, perdendo a raiz filosófica do debate, o problema de facto com que nos deparamos ao analisar conceitos como este acaba por ser um mal necessário: uma definição correta do termo irá possibilitar uma melhor compreensão da forma como a economia se organiza atualmente, sobrepondo-se a todas as esferas de poder – apreendemos quais são as ideologias que, neste momento estão em ascensão, o que podemos esperar delas e como as podemos combater (Harrison 2010).
Não obstante, não seria possível desenvolver uma análise adequada do neoliberalismo e das suas consequências sem antes considerar o pensamento inicial e original, na pessoa de Friedrich Hayek e da Mont Pelerin Society, criada com o propósito de afastar o liberalismo, de forma definitiva, do planeamento estatal e do laissez-faire. A questão, para Hayek e a sua escola, não era necessariamente a que se coloca hoje, «Estado ou Mercado?», mas sim «como utilizar o Estado como fantoche da economia de mercado?» (Innset 2016). A confiança nas habilidades quase mágicas do mercado impulsionou a escalada de agressões contra o Estado, ao longo dos anos, como reparamos ao longo do progresso da História. O que nos chega é uma modificação da doutrina inicial, uma sociedade em que tudo o que fazemos, somos e produzimos tem de estar à venda ou ser monetizável de qualquer forma, pois o Estado não irá sequer proporcionar-nos as condições necessárias à sobrevivência (Giroux 2005). Quem tem dinheiro, tem poder; quem tem poder, controla o dinheiro.
Assistimos, arriscar-me-ia a afirmar que diariamente, a tentativas de alocação de fundos estatais para investimentos privados um pouco por todo o mundo, em detrimento dos serviços públicos fornecidos pelo Estado Social. O que estamos a ver, realmente? Uma tentativa de demolição do Estado Social em si e das suas conquistas ao longo de décadas, sendo enfatizada uma consequência principal destes ataques: a degradação clara da qualidade de vida das populações em função do aumento do custo de vida, fazendo com que milhares – senão milhões – de famílias sejam atiradas sem dó para a pobreza e forçadas pelo sistema capitalista à submissão a condições laborais absolutamente degradantes, para tentarem sair de um poço para onde foram atiradas pelo próprio capitalismo.
Vivemos num tempo em que os trabalhadores são vistos como elementos descartáveis, pouco mais valiosos do que lixo; são apenas peças na grande máquina capitalista, um organismo muito maior do que a sua própria existência, servindo, acima de qualquer outra coisa, os interesses do grande capital (Blalock 2014), e estando o seu valor enquanto pessoas intrinsecamente ligado àquilo que produzem – e a quanto produzem. Enquanto, anteriormente na História, a qualidade da produção ainda importava, na era neoliberal moderna, o mesmo não aplica: o objetivo principal é produzir o mais possível; quantidades monstruosas a um ritmo desumano, mesmo que, para atingir esse fim, seja «necessário» atropelar direitos humanos ou diminuir a qualidade da produção. De novo, o lucro está acima de qualquer outra coisa, inclusive de critérios como qualidade ou sustentabilidade dos produtos.
Falando de forma técnica, os trabalhadores são, agora, também produtos – comodidades substituíveis e baratas, na ótica das grandes corporações. Esta forma de ver o trabalhador escalou tendo em conta que o indivíduo só tem valor para o sistema capitalista se for «produtivo», isto é, se, de alguma forma, for útil ao sistema capitalista e gerar o maior lucro possível àqueles acima de si na grande cadeia produtiva. Quando o lucro e o acúmulo de riqueza se tornam o cúmulo da existência, assistimos a fenómenos genuinamente tristes, como a ligação do nosso potencial e valor à quantidade de riqueza que acumulamos – alguém pobre não vai ter tanto valor para a sociedade neoliberal, que lhe vai colar um rótulo de preguiçoso ou desmotivado (Alvaré 2017).
Aqui chegados, damos por nós a venerar a ideia das «liberdades individuais» e o egocentrismo a elas ligado: a nossa bolha pessoal estará sempre acima de qualquer outra coisa, incluindo os nossos pares; cada um de nós é o centro do seu próprio universo e nunca deverá fazer nada pelos outros que não lhe traga algum tipo de lucro ou vantagem. Apenas os maiores egoístas e narcisistas chegarão «a algum lado na vida». É isto que ensinamos às nossas crianças? Que a falta de empatia é largamente recompensada (Wrenn 2015)?
É este um dos efeitos mais nocivos do neoliberalismo: a perda de identidade e de qualquer resquício de individualidade do próprio Ser, de forma dissimulada e violenta, em prol de uma cultura de massas que finge individualidade. Na verdade, o indivíduo é, agora, «produzido em massa» e influenciado em todas as esferas da sua vida, mas sem nunca suspeitar de que as suas escolhas não são mesmos suas. Esta chamada «ortodoxia neoliberal» infiltrou-se no tecido político-social de forma tão intensa que se tornou difícil distinguir ou imaginar o que seria um mundo não gerido pelo sonho neoliberal e guiado pela mentalidade capitalista da exploração e do acúmulo de capital através da exploração
(Lehmann 2014).
A lógica de mercado, quando aplicada fora do plano da economia, traz consigo o desastre, fazendo com que a vida e as relações passem a fazer parte de um sistema baseado na procura por um equilíbrio entre mera produção e consumo, oferta e procura. O neoliberalismo conseguiu, inclusive, «colonizar» a vida política e implementar nela a lógica do mercado – o caminho para o sucesso passa agora por manipulação, competição desleal e ataques fúteis, num momento em que o horizonte moral da sociedade assenta em consumismo e vitória a qualquer custo, sem representação de quaisquer outros valores substantivos (Morelock e Narita 2021). Tendo, aliás, em conta a evolução do neoliberalismo nas últimas décadas, notamos que, neste período, a sociedade passou a não conseguir existir sem um mecanismo complexo de redução da identidade do indivíduo a uma mera pela minúscula num sistema enorme e complexo: a agência que cada um de nós pensa ter não existe realmente, é apenas um fruto ilusório da vivência neoliberal e capitalista, um produto da forma como fomos alienados desde o início da nossa vida para servir o capital e os seus interesses acima da nossa própria vida, tendo como verdadeira realização a acumulação de capital. Mais nada.
Viver com uma falsa noção de existência é extremamente esgotante e deriva do facto de que, muitas vezes, não conseguimos distinguir retórica neoliberal daquilo que é a realidade que nos rodeia. A falsa sensação de autoridade sobre a nossa vida e as nossas decisões, efetivamente, suporta, sustenta e providencia o «normal» funcionamento do modelo neoliberal, segundo Wrenn (2015). É, portanto, essencial que o capital nos controle e manipule sem nunca deixar transparecer a realidade da nossa condição: os indivíduos são muito mais facilmente manipulados se pensarem que essa manipulação é, na verdade, impossível, pois conseguem identificar as mentiras do sistema. Na realidade, somos todos peças de xadrez num tabuleiro que não é nosso.
E a «comodificação», por si só, estende-se muito além do plano externo, existindo também um processo interno, no âmbito da nossa relação connosco mesmos e com os outros: falamos da Sociedade da Selfie ou Sociedade do Espetáculo, na qual partilhamos versão perfeitamente retocadas e ensaiadas das nossa vidas, para que os outros as possam consumir enquanto partilham as suas, num ciclo interminável de projeção de inseguranças e manipulação de uma vida perfeita e inatingível, com o único propósito de ser vista pelos outros. Durante toda a nossa vida, interagimos com o mundo que nos rodeia e exercemos a nossa suposta agência nos processos de decisão – é aí que reside a principal força-motriz das nossas ações quotidianas, que influencia as nossas decisões em si, por pensarmos que se trata apenas de uma aplicação da nossa vontade e daquilo que realmente queremos. Em teoria, pelo menos, deveria ser esse o propósito.
É exatamente esta forma de agência, interativa com o mundo, que faz com que seja possível existir uma relação real entre instituições e indivíduos, em que o indivíduo age de determinado modo, segundo um padrão, também em função daquilo que é o funcionamento das instituições à sua volta. Simplificando esta relação, o mundo influencia-nos, da mesma forma que nós influenciamos o mundo, sendo uma interdependência natural da vivência em sociedade, ainda que alterada pela matriz social hiperindividualista do modo de vida neoliberal (Wrenn 2015).
Na sociedade moderna, que valoriza e idolatra coisas em vez de pessoas, não seria, de todo, surpreendente que quem tem mais coisas seja mais valorizado e tido como «mais poderoso» ou «mais trabalhador»; no entanto, esta idolatria do material evoluiu, ao longo das décadas, para uma valorização, glorificação e romantização de traços de personalidade tóxicos e narcisistas – quem conseguir eliminar a concorrência de forma mais eficaz, será «mais bem sucedido», conseguindo uma maior quantidade de bens materiais e, por sequência lógica, mais poder. Isto cria uma relação entre a eliminação dos outros e o sucesso individual: não podemos ajudar os outros, pois isso significaria uma «perda» para nós, nada é digno de ser feito se não obtivermos algum tipo de benefício ou lucro. Devemos, inclusive, prejudicar os outros, desde que isso nos coloque em vantagem.
Conclui-se, a partir destes fatores, que o neoliberalismo é o estágio capitalista que mais explora os desejos do ser humano, usando-os como arma, com a finalidade de «regular» a forma como é possível (ou não) viver, de forma semelhante ao funcionamento do mercado – somos mercadoria (Brown 2006).
Posto isto, e no seguimento da tentativa de definição/caracterização do neoliberalismo, surge o erro crasso de o confundir, seja em linguagem corrente ou em discursos políticos, com o chamado «liberalismo tradicional», nas pessoas de Adam Smith ou de John Stuart Mill. Esta forma inicial de liberalismo é definida noutros moldes, não necessariamente dando enfoque à proporção entre poder público e poder privado, mas sim à procura por um equilíbrio, dando ao indivíduo o maior número possível de oportunidades. Já o neoliberalismo, muito mais violento na sua génese, aborda a relação público/privado de outra forma, muito mais incendiária, querendo que o Estado, se resistir sequer, se subjugue ao capital, sendo o mercado a verdadeira força da sociedade e a linha de orientação de todas as vidas (Megay 1970). Além de desonesto, sequer ousar comparar a escola de Hayek e a teoria de Mill é uma sincera ofensa ao verdadeiro liberalismo.
E, no centro deste sistema de escravatura emocional moderna, cultivado por narcisistas, assistimos à fortificação daquilo a que podemos chamar «cultura do ego», isto é, do narcisismo selvagem que procura justificar a eliminação de qualquer tipo de «ameaça» para conseguir subir na vida. Num mundo em que bilionários têm fãs, mesmo explorando os seus trabalhadores e tentando coagir governos a reprimir leis laborais, é possível encontrar e identificar padrões orientadores bastante claros, impulsionados pelos think-tanks da ideologia: para atrair e conquistar votos por parte da classe trabalhadora, é preciso proceder a uma deturpação clara daquilo que, realmente, são as desigualdades de riqueza, criando o famoso modelo «nós contra eles», ou seja, é encontrado um bode expiatório facilmente culpável por todos os erros e desigualdades, para humilhar e atacar um inimigo comum e unir as bases políticas.
Neoliberalism may be technically agnostic on matters of culture and race, but the neoliberal project is well served by the permanent construction of an enemy (either within or without) who can satisfy the otherwise alienated consumer-citizen’s need for inclusion and belonging (Demmers e Mehendale 2010)[1].
Neste caso, existe uma clara tentativa de opor os «pobres preguiçosos que se aproveitam do Estado» e os «trabalhadores e empreendedores dedicados»; os «subsídio-dependentes» e os trabalhadores que os sustentam. Este mecanismo é particularmente eficaz por fabricar uma hive mentality, relacionando, erroneamente, os trabalhadores e as classes sociais elevadas; coloca na mesma caixa milionários e a classe média, para que os cidadãos da classe média defendam os milionários como se de iguais se tratassem – ao aproximar, em teoria, estes dois grupos, os trabalhadores sentir-se-ão parte da elite e começarão a odiar profundamente as medidas que se oponham ao crescimento económico das elites, pois, segundo esta lógica, seriam também prejudiciais à classe média. É evidente que nenhuma das medidas que melhorem a vida das elites vá melhorar a vida dos trabalhadores, mas o objetivo deste tipo de manipulação não é esse, antes pelo contrário: o importante é fazer com que os trabalhadores se sintam parte da elite, da burguesia; que se sintam superiores em relação aos seus pares, mais empreendedores do que eles, mais trabalhadores e dedicados, mais disciplinados, apoiando, assim, a causa de milionários e bilionários como se da sua se tratasse. Como ter o apoio dos trabalhadores? Basta fazer com que sintam que são mais especiais do que os outros, especificamente mais merecedores – é a aplicação prática da teoria da meritocracia para justificar este elitismo cego, que explora os trabalhadores e providencia a sobrevivência da classe capitalista, através do sofrimento da classe trabalhadora. É assim que continua vivo o «sonho neoliberal», ainda que não passe de uma projeção sem valor real, devido ao facto de que é o mercado que controla a vida do indivíduo, não o indivíduo em si (Wrenn 2015).
Quando falamos desta «narrativa neoliberal», é importante ter em mente que o neoliberalismo já deixou de ser apenas uma racionalidade económica ou até política. Agora, o capital e o dinheiro controlam a maior parte das nossas vidas, determinando silenciosamente todas as nossas decisões, em todos os seus espectros: o mais importante em todo o mecanismo é fazer com que o mercado (ou, pelo menos, a ideia de mercado) nos guie em tudo – a essência humana vai desaparecendo lentamente, dando lugar a indivíduos que são apenas cidadãos-consumidores (Demmers e Mehendale 2010), em detrimento de seres independentes e conscientes das próximas decisões e ações. Tudo é manipulado e maquilhado por técnicas de marketing assentes em psicologia e manipulação, que fazem com que seja «o mercado» e não «o sistema» a remover a agência autêntica dos indivíduos, fazendo deles escravos do capital (Wrenn 2015).
Os seres humanos, devido à sua natureza, sentem-se extremamente confortáveis ao pertencer a um grupo, um coletivo, uma comunidade; quanto mais exclusivo for esse grupo, mais importante o indivíduo se vai sentir. Na mesma sociedade que glorifica o narcisismo, existem também uma noção de ideias comuns: a fetishização dos conceitos «poder» e «liberdade», de se ser melhor que os outros, mais independente, mais bem-sucedido – é criada uma comunidade de um «nós» melhor que «os outros» (Wrenn 2015).
Contudo, o debate acerca de consciência de classe acaba por se afastar do âmago da questão em análise, principalmente quando a abordagem é alargada a toda a consciência de classe: na verdade, as elites são as camadas sociais que mais consciência têm da posição em que se encontram, conhecendo exatamente os seus privilégios e as ferramentas à sua disposição para manipular o sistema à sua volta. Mais que ninguém, reconhecem as vantagens da sua elevada posição na sociedade e os privilégios que daí advêm, apenas por serem mais ricos/poderosos. No modelo neoliberal, acúmulo de capital é diretamente proporcional ao conceito de poder, mas não necessariamente poder político. O poder político é do passado (Wrenn 2015).
Mesmo que persista o desejo de sistematizar e apresentar de forma concisa os objetivos neoliberais, é fundamental ter sempre presente que não existe uma teoria política que seja uma, sem vertentes, flexibilidades ou adulterações. O neoliberalismo significa, hoje, aquilo que os neoliberais querem que signifique – é um conceito maleável, que tenta abarcar e compreender várias ideologias diversas, mesmo que isso aumente o risco de inconsistência ou até a contrariedade com ideias anteriormente apresentadas (Cerny 2016).
Na realidade, a forma como o neoliberalismo aumentou as horas de trabalho e encorajou e idolatrou o consumismo (Stevenson 2008), destruindo décadas de progresso é difícil de compreender, pelo simples facto de que foi um processo extremamente veloz: a mudança foi tão drástica quanto discreta, tomando de assalto a estrutura sociopolítica e socioeconómica e alterando profundamente a forma como nos relacionamos com o mundo, connosco mesmos e com os que nos rodeiam.
E, talvez, seja um sinal dos tempos: o uso generalizado e massificado das redes sociais na Era Moderna sofreu um grande aproveitamento político, de várias formas – quem conseguir partilhar a sua mensagem, mesmo que fraudulenta, de forma mais rápida, vai, à partida, ter mais atenção pública e conseguir «entupir» os canais de informação. Agora, quem falar primeiro tem razão, independentemente da verdade. Torna-se impossível confirmar informação antes de a publicar, já não há tempo para verificação de factos (Morelock e Narita 2021).
Ressurge o conceito de «sociedade do espetáculo», principalmente porque identifica de forma espetacular a transformação da vida pública nas últimas décadas, através da política do espetáculos – falamos de fraca oposição política com significado, imagem e massificação acima de verdade e destruição daquilo que seria o fenómeno democrático, com consequências verdadeiramente desastrosas, com o uso de argumentos falaciosos e dog-whistles de forma indiscriminada, apenas para manipular as massas alienadas.
O propósito primário deste tipo de manipulação política é satisfazer um dos objetivos principais do neoliberalismo: destruir o Estado Social Democrático e os seus apoios, alegando mentiras, se for preciso (Wrenn 2015). Quer-se um povo alienado, pouco instruído, que sente que pertence a um «nós» contra um «eles» e que está impedido pela sua condição social, pois o Estado é apenas um agente do capital, que o assiste na sua expansão, efetuando as repressões que forem necessárias segundo o sistema neoliberal (Kumar 2010).
Este modelo, que é justificado, na maioria dos casos, através da invocação das «liberdades individuais», na realidade, adapta o conceito de «realidade» para os seus propósitos – continua a funcionar por detrás dessas máscara, permitindo que várias correntes (até as mais autoritárias e repressivas) se aproveitem desta «liberdade maleável»
Assim nascem as ditaduras neoliberais.
3 Ditadura do Capital
Num mundo em que a riqueza está tão desigualmente distribuída, é apenas uma conclusão lógica que uma fatia específica (e minúscula) da sociedade seja largamente beneficiada, em detrimento da maioria, muito menos privilegiada. Para isto, contribui uma desproporcionalidade no acesso a oportunidades, à qual o movimento neoliberal chama «mérito», permitindo à elite económica manter-se constantemente no topo da pirâmide política e ideológica – assim se criam as condições necessárias para fazer renascer ideias antigas, apenas em moldes novos.
O capital influencia profundamente o autoritarismo, certamente porque só através de repressão e de fenómenos de escravatura moderna se consegue obter certos níveis de lucro, que são o objetivo principal do capitalismo moderno. O único sistema que permite (e, inclusive, influencia) este tipo de práticas é, geralmente, uma autocracia.
Contudo, não significa isto que todos os milionários serão ideologicamente fascistas; isso seria, aliás, uma generalização perigosa, mas a verdade é que, aquando de uma oportunidade de lucro num regime fascista, não a irão recusar, sem qualquer preocupação com possíveis consequências das suas ações e patrocínios – falamos de uma espécie de fascismo de circunstância: A não defende necessariamente a ideologia fascista, nem se assume como tal, mas não tem problema em apoiar e patrocinar B, que o é, se isso lhe trouxer benefícios.
É este o principal efeito da glorificação do narcisismo na sociedade contemporânea: a eliminação da concorrência, do outro, torna-se o objetivo principal, seja por que meios for – justifica-se essa eliminação por que meios for (Koves 2004).
Como consequência direta deste fenómeno, surge o conceito de neoconservadorismo, que nos chega de forma relativamente «orgânica», sendo, na sua essência, uma resposta social à forma como o modelo capitalista, ao longo do tempo, erodiu até eliminar completamente os conceitos de significância e moralidade, removendo o «fator humano» de grande parte da vida dos indivíduos, restando apenas um resquício daquilo que um dia foram pessoas agentes da própria vida, indivíduos com gostos e preferências com algum tipo de livre-arbítrio, não controlado pelos desejos e ambições de grandes corporações capitalistas movidas pelo lucro acima de tudo e todos.
Esta nova forma de liberdade constitui um gigantesco loophole, que permite que uma forma de administração mais autoritária seja aceite e implementada sem grande atrito: da mesma forma que «programa» os indivíduos para serem apenas produtores e consumidores de conteúdo/vidas, o neoliberalismo faz com que os cidadãos sejam imensamente mais permeáveis a uma autoridade forte, escondida por detrás da máscara da liberdade individual (Brown 2006). Tudo isto é amplificado largamente pelo potencial e propensão das redes sociais para a criação das chamadas ecochambers, isto é, «câmaras de eco», em que opiniões relativamente impopulares são difundidas como se fossem muito mais generalizadas do que verdadeiramente são – este mecanismo foi utilizado, inclusive, na manipulação de resultados eleitorais em vários casos, constituindo um verdadeiro perigo para o sistema democrático.
Ao ser construído um «nós» ilusório, mas bastante forte, que se sente mutuamente reconhecido e apoiado em determinadas posições, abre-se a porta à difusão (e até campanha) de um novo tipo de autoritarismo.
Este «espetáculo autoritário moderno» é difundido e estruturado por quatro pilares principais: (1) a manutenção das impressões enquanto retificações daquilo que deve ser a expressão dos indivíduos; o controle da forma de agir, algo que foi verdadeiramente colonizado pela lógica neoliberal, fazendo com que o indivíduo sinta o dever de se expressar visando sempre o sucesso pessoal e a aceitação pública, enfatizando as suas ambições e narcisismo. Narcisistas gostam de narcisistas; (2) a luta pelo extremismo daquilo que são as posições sociais, alimentando-se de polarização e radicalismo; (3) a procura pela autenticidade enquanto motivação para o crescimento de grupos de extrema-direita, que criticam a forma como a sociedade afasta os indivíduos, querendo uni-los tendo como base o ódio; (4) a tensão entre a alienação das massas e a diferença do outro nas sociedades pós coloniais globalizadas (Morelock e Narita 2021).
A verdade é que, quando submetidos a uma análise correta e meticulosa, o poder autoritário e a democracia liberal não são os antónimos que geralmente se assume que são (Watson 2021), existindo, até, uma zona cinzenta relativamente dúbia, que permite a existência de uma espécie de «democracia autoritária», mais dissimulada que uma ditadura em sentido lato. Falar-se-ia de uma ditadura neoliberal, por muito paradoxal que este conceito pareça na sua essência.
Este escalar de ódio na sociedade neoliberal deve-se, parcialmente, à normalização do discurso que tem o diferente como inimigo – o fenómeno da exclusão do outro é algo que o neoliberalismo apoia a aplica diariamente, a larga escala, fazendo com que os indivíduos vejam os outros como competição, como alvos a abater. Vendo os outros desta forma, é fácil apelar ao ódio, principalmente porque já é algo comum na sociedade: : «Es decir, la soberanía no solo define a quién se puede matar, sino a quién se le permite vivir»[2] (Milanez 2020).
Mais do que nunca, deve ser enfatizado que o populismo e o fascismo ocorrem quase-naturalmente na sociedade neoliberal, estabelecendo, assim, as suas ligações ao neoliberalismo como corrente, pois tanto o neoliberalismo como o fascismo ou o autoritarismo enquanto um todo envolvem o desmantelamento daquilo que é a verdadeira essência e natureza da democracia, estabelecendo uma nova forma de governo, baseada na violência e repressão ao serviço de algo (o capital) ou de alguém (o líder) (Agostinone-Wilson 2020).
Mesmo enquanto repetem os mesmos dog-whistles, nomeadamente o uso de expressões globalizantes como «cidadãos comuns» e «o sistema», fascistas, autoritaristas e neoliberais fazem as mesmas promessas, enquanto, na realidade, se focam apenas na manutenção do sistema capitalista e do status quo (Agostinone-Wilson 2020).
De facto, o fascismo, no Estado Neoliberal, encoraja o crescimento e expansão de «fascismos locais», na medida em que o ataque ao Estado Social exige uma rede relativamente organizada, com objetivos comuns (Koves 2004).
E se isto nos levar a considerar que o neofascismo é algo de obscuro ou «oculto» na sociedade, um exemplo claríssimo do contrário vem da Alemanha, onde reinam teorias da conspiração como o Umvolkung, que se refere a uma teoria que defende que os alemães estariam a ser substituídos por Untermensch, ou raças sub-humanas. Dentro da AfD, tratam-se os «verdadeiros alemães» por «bio-alemães», um termo que significa, em vez de nacionalidade, pertença racial. Segundo a AfD, ser um verdadeiro alemão será sempre sobre sangue e raça (Klikauer 2019), algo que remete de forma assustadoramente similar para discursos e declarações de Adolf Hitler, ou de outros membros do partido nazi – a prova de que o nazismo está, infelizmente vivo. Apenas se apresenta noutros moldes, de forma a ser facilmente digerido e enquadrado pela sociedade neoliberal, que vive de aparências e de populismo elaborado, para conquistar os indivíduos através dos seus desejos de pertença.
Notável também é a nova forma de populismo apresentada: trata-se de uma combinação do populismo político «tradicional» e do liberalismo económico, vindo alterar aquilo que se pensava ser a conduta populista, que, agora, partilha pontos de vista e objetivos com o liberalismo económico, vendo os indivíduos, em vez de grupos, como os pilares da construção da nova relação entre o povo e o Estado. Deste modo, os líderes populistas utilizam a retórica neoliberal para atacar grupos de interesse, políticos e burocratas, de forma a aumentar a sua própria liderança pessoal (Weyland 1999).
Estabelece-se agora a relação entre o Bem e o Mal, há um outro, que é o inimigo coletivo, e é a causa principal dos males sociais. Assistimos, enquanto sociedade, ao fim de todo o tipo de nuance e relativismo, destruindo por completo a complexidade do discurso político e da vida política (Demmers e Mehendale 2010): por exemplo, a adoção de políticas neoliberais e a criação, nas últimas décadas, dos chamados mercados comuns, como a Mercosul ou a NAFTA, têm agravado o processo de exclusão que já existe nas sociedades latino-americanas, em que países se excluem e ostracizam uns aos outros, em prol do capital (Ferradás 2013).
As fações sociais neoliberais alinham-se confortavelmente com várias bancadas neoconservadores ou fundamentalistas religiosas, principalmente porque a verdadeira mensagem do capitalismo moderno é apenas a autocracia vestida de liberdade individual – vivemos, hoje, na ditadura do indivíduo sobre o indivíduo, a exploração dos Homens uns sobre os outros, cada vez com mais violência e métodos mais desumanos.
Recomeçou o sistema da exploração do Homem pelo Homem.
4 A escravatura dos tempos modernos
E, se estivéssemos à procura de culpados, a globalização enquadraria o topo dessa hipotética lista: foi este o fenómeno que deu à luz os chamados neofascismos – novas forma de corporativismo autoritário e repressivo, em muitos casos um verdadeiro Apartheid, apenas com o objetivo de facilitar a nova Divisão Internacional do Trabalho (DIT) e a deslocalização da produção, priorizando o lucro acima de vidas (Koves 2004): “«Neoliberal globalization» means «imperialism in the neoliberal era»”[3] (Tinel 2011).
Esta nova forma de dividir o trabalho tem tomado uma forma cada vez mais imperialista, redirecionando as economias nacionais e explorando os trabalhadores um pouco por todo o mundo, tendo em vista apenas o lucro das grandes corporações dos Países Desenvolvidos, geralmente mais ricos desde o início. Falamos de uma nova era da História, o Neocolonialismo, impulsionado pela nova DIT e pela deslocalização da produção promovidas pelas Empresas Transnacionais (ETN), visando apenas o lucro através da exploração de loopholes legais: uma empresa com capital europeu «ganha mais» a pagar o salário mínimo a trabalhadores em Moçambique do que a pagar o salário mínimo em Portugal, por exemplo – estará sempre a pagar o salário mínimo, isto é, estará sempre dentro da lei, mas as discrepâncias nos direitos laborais constituem uma vantagem. Na lógica capitalista, não faria sentido pagar mais aos trabalhadores, quando existem, um pouco por todo o mundo, governos fáceis de manipular – a política está agora ao serviço do grande capital, mesmo que isso signifique destruir o meio ambiente e as vidas dos trabalhadores explorados.
A globalização, como um todo, implica, na sua génese, a exploração dos chamados Países em Desenvolvimento, através de processos que causam verdadeiras crises humanitárias – comparáveis às miseráveis condições de vida dos trabalhadores durante a ascensão do fordismo nos Estados Unidos. É esta a nova escravatura, uma consequência direta do Lobbying levado a cabo pelas ETN junto dos governos de determinados países, visando impedir legislação laboral e ambiental, e permitindo más práticas para com os trabalhadores, sem qualquer tipo de interferência estatal (na ótica neoliberal, quanto menos o Estado intervier, melhor).
O mecanismo encontrado pelas grandes corporações que controlam, em muitos países, o próprio Governo, para manter comunidades marginalizadas o mais longe possível das esferas de poder é o complexo prisional: em países como os Estados Unidos da América, o sistema prisional é controlado por corporações privadas, que lucram milhões de dólares com o encarceramento (em muitos casos desproporcional e injusto) de negros, hispânicos e imigrantes (Alvaré 2017).
A «solução» encontrada? O recurso à 13.ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, que permite a continuidade da escravatura, desde que apenas aplicada como punição à população prisional. As corporações donas de prisões lucram com o trabalho escravo dos encarcerados – muitas vezes julgados de forma arbitrária e desproporcional, apenas pela cor da pele ou background social:
Thirteenth Amendment
Section 1
Neither slavery nor involuntary servitude, except as a punishment for crime whereof the party shall have been duly convicted, shall exist within the United States, or any place subject to their jurisdiction.[4][5]
Idealmente, o fenómeno da globalização deve ser encarado como algo que se encontra dentro do modelo capitalista, que tenta integrar outras economias num conjunto, para criar uma classe capitalista transnacional, que assenta, sobretudo, no «neoliberalismo global» (Radice 2008).
Um pouco por todo o mundo, políticas neoliberais globalizantes são usadas para conseguir assinar acordos de comércio que expansão os interesses financeiros e comerciais do Ocidente capitalista e, se necessário, são aplicadas políticas económicas pesadas através de organizações como o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio ou o Fundo Monetário Internacional, que conseguem extorquir facilmente países mais pobres e menos desenvolvidos, para beneficiar e privilegiar os Estado mais ricos e as poderosas corporações defensoras do capitalismo – este estabelecimento de um mundo unido na exploração requere uma manutenção forte a longo prazo, seja através de privatizações, Lobbying e manipulação ou medidas mais discretas, permitindo, por exemplo, que os Estados Unidos da América assegurem as sua posição de dominância imperialista, disfarçada inocentemente de liberdade de comércio (Giroux 2005).
Assim, nasce a ditadura do capital sobre o trabalho e os trabalhadores.
5 Elações finais
Através de uma análise daquilo que são, genuinamente, as motivações e origens do ideário neoliberal, é possível compreender aquilo que realmente se passa à nossa volta, bem como as consequências da ascensão e generalização destas linhas de pensamento: o neoliberalismo não é um mal por si só, enquanto ideia; é um mal quando tornado selvagem e aplicado violentamente.
Ainda que a coexistência entre capitalismo e ética seja basicamente impossível, nada justifica a forma como, nos dias de hoje, o capital controla todas as facetas da vida individual, fazendo com que os indivíduos apenas o sejam em teoria, mesmo que não tenham consciência de que as suas escolhas estão a ser feitas por alguém ou por um mero algoritmo. Esta falsa agência é importantíssima no contexto do neoliberalismo, pois é o fator que o faz, efetivamente, funcionar: narcisistas individualistas, que não são realmente donos de si, a serem explorados pelo sistema capitalista, ao mesmo tempo que lhes garante que são eles que orientam o mercado, e não o contrário.
Este mecanismo complexo de controlo e manipulação é vital à manutenção do neoliberalismo e de toda a sua esfera de influência – a forma mais fácil de controlar alguém é dar-lhe a falsa sensação de segurança e independência, de modo que nunca seja claro que há alguém por detrás do pano, a comandar a narrativa.
Evidentemente, qualquer mecanismo de repressão tornar-se-á, inevitavelmente, terreno bastante fértil para a ascensão de ditaduras ou regimes autoritários que se alimentam dessa repressão e exploração. Surgem, assim, conceitos como «ditadura liberal», usados apenas na esfera académica, mas extremamente relevantes aquando da discussão dos perigos do sistema neoliberal, nesta nova fase do capitalismo.
E, com o nascimento e crescimento de regimes ditatoriais, Estados Policiais e outros modelos de governo que se alimentam de exploração e repressão, surgem também o neoimperialismo e o neocolonialismo, integrados no fenómeno da Globalização.
Aparentemente inofensiva numa primeira abordagem, a globalização é um dos mecanismos de exploração mais eficazes. Através da ação de Empresas Transnacionais e grandes corporações, as cadeias de produção são dispersas um pouco por todo o mundo, de forma a explorar loopholes legais e leis laborais e ambientais deficientes, pressionando governos fragilizados e até ameaçando a própria democracia com uma única finalidade: lucro e contenção de gastos ao mínimo.
O que todos os pontos supramencionados têm em comum é exatamente esse fator: o lucro. Como, segundo a teoria neoliberal, a lógica do mercado é aplicada a todas as esferas da vida em sociedade, o lucro torna-se o suprassumo da existência; o objetivo pelo qual, neste momento, os indivíduos vivem. Se não tivermos lucro, não temos qualquer tipo de valor intrínseco enquanto pessoas. É assim a lógica neoliberal.
Mais do que qualquer outra coisa, é de especial relevo a forma como a nossa identidade enquanto pessoas únicas se foi perdendo ao longo da expansão capitalista; a forma como todos fomos padronizados, seja num nível maior ou menor, de acordo com aquilo que seria a «vontade do mercado».
Estaremos a assistir à transição do ser pensante para a máquina de pensar? À mudança que antecede o fim da Humanidade como a conhecemos?
As respostas permanecem incógnitas.
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[1] O neoliberalismo, pode ser, em termos técnicos, agnóstico a nível cultural e racial, mas o projeto neoliberal aproveita-se da construção permanente de um inimigo (seja interior ou exterior) que possa satisfazer a necessidade de inclusão e pertença de um cidadão-consumidor que seria, de outro modo, alienado.
[2] Isto é, a soberania não se define apenas por quem se pode matar, como também a quem se permite viver.
[3] «Globalização neoliberal» significa «imperialismo da era neoliberal».
[4] Décima-Terceira Emenda
Secção 1
Tanto a escravatura como a servidão involuntária, exceto enquanto penas por crimes de que o indivíduo tenha sido devidamente acusado e declarado culpado, deverão existir nos Estados Unidos, ou em qualquer outro local da sua jurisdição.
[5] U.S. Const. amend. XIII, § 1.
Beatriz Mestre is a third-year university student at Universidade de Lisboa, getting a undergraduate degree in European Studies with a Philosophy minor.