O MITO DA FÉNIX  

De Vera Lúcia Gonçalves




Quando me debruço sobre a mitologia grega tendo a abrandar sempre no mito da Fénix. Há algo nela que me seduz, que parece ter sido urdido na malha de que se revestem os mundos por onde caminho quando mergulho na interioridade.

É como se a visse ao longe, numa pira sagrada sobre um altar, a incandescer em sintonia com a luminescência da canela, da salva e da mirra, salientando-se no fundo fúlvido de um sol poente. A noite consumindo a ardência até se extinguir no frio pardacento da cinza. O amanhecer dourando a formação poeirenta que o sopro de Zéfiro faz dançar no cântico sublimado da aurora. E essa formação poeirenta materializando-se pena a pena, tomando a forma cada vez mais evidente de uma ave.

O sentir da Fénix flutua entre as expectativas de uma pulsação idealizada ainda por ouvir e o reconhecimento das cinzas obscuras em que foram tecidas as suas penas mais refulgentes. A sua angústia, porém, será a consciência de que no momento em que estender toda a áurea magnitude das suas asas para se dirigir ao sol de um mundo novo, estará apenas a sentir a liberdade mais efêmera da vida antes de cair e de se tornar poeira outra vez.