RUMPELSTILTSKIN
João Franco

Algures no Sistema Solar, 23/06/2100

Nate, o astronauta americano,  estava radiante na primeira missão tripulada a Neptuno, mas era assolado pelas saudades de casa e de Alexandra, a noiva inglesa que deixara no planeta Terra.  A seu lado, Sasha, o seu companheiro de bordo russo, fazia a verificação de rotina nos mostradores do complexo painel de instrumentos.
Formado em Inglaterra, em Informática e Física, Nate fora um aluno brilhante, quer intelectual, quer fisicamente, pois fora também um importante membro da equipa de esgrima da universidade. Conseguira, facilmente, ser seleccionado para o grande desafio da viagem a Neptuno. O seu companheiro de bordo era formado em Medicina pela Universidade de Moscovo e também se distinguira nos testes efectuados para a selecção da tripulação da nave Naiad. 
Depois das primeiras missões humanas a luas de Júpiter e de Saturno, como Europa, Calisto e Titã, tendo em vista a exploração dos recursos gasosos dos respectivos planetas, decidira-se a viagem a Neptuno para estudar o estabelecimento na sua maior lua de uma base permanente, tendo em vista a exploração espacial para além do sistema solar.
À hora de deitar, cada um foi até aos seus aposentos e entretiveram-se ainda um pouco a contactar as famílias. Antes disso, tinham estado a jogar cartas e a conversar. A formalidade inicial entre os dois homens, dera lugar a uma crescente amizade, e aquela viagem estava a ligá-los muito. Agora era como se fossem amigos desde sempre.
Despertaram a meio da noite artificial com as sirenes de alarme a tocar. Havia uma fuga nos reservatórios de oxigénio, o que era gravíssimo! Sasha encaminhou-se para a popa, onde esperava controlar a fuga, enquanto Nate ficava a supervisionar a operação na cabine de comando. Tudo parecia estar a correr bem quando, sem aviso, o depósito de oxigénio número um explodiu devido ao aumento da pressão e Nate perdeu o contacto com Sasha. Abalado com a plausível morte do colega, nem reparou de imediato no sinal avisador de que a temperatura estava a baixar demasiado na nave. Como estavam cada vez mais longe do Sol, necessitavam desesperadamente dos sistemas de climatização. A explosão do depósito de oxigénio fizera com que o compartimento afectado fosse estancado hermeticamente e não havia esperança para Sasha. Se não houvesse uma reparação do sistema de controlo ambiental, Nate também morreria de hipotermia, e o astronauta resolveu-se a lutar contra o destino.
Tentou por todos os meios reparar o sistema, mas o frio crescente, aliado à descida dos níveis de oxigénio na nave, causavam-lhe um torpor no corpo e era com dificuldade que realizava os mais básicos movimentos.
O termómetro já marcava 5ºC e continuava a descer. Nate tiritava de frio, e tentou encontrar algumas mantas térmicas que o aquecessem. Sentou-se numa cadeira, vencido pelo cansaço, e apesar do frio, adormeceu. Acordou com uma sensação gélida que lhe chegava aos ossos, e partículas de gelo acumulavam-se no seu rosto. O termómetro marcava agora -7ºC e a situação era crítica. Não queria morrer, sentia que ainda tinha dentro de si força suficiente para resistir, mas contra aquela temperatura enregelante não havia nada que ele pudesse fazer naquele momento. Os sistemas de emergência tinham falhado e praguejando, Nate amaldiçoara as restrições orçamentais que levavam sempre a que se escolhesse a opção mais barata. O gelo principiava a formar-se no chão e nas paredes da nave, e Nate pôs-se de pé, de um lado para o outro para tentar aquecer-se. Não teve grande sucesso, e acabou por sentir-se sucumbir ao frio, entregando-se ao oblívio de uma sonolência enganadora.
Trevas. Nada. Silêncio. A nave, dotada de motores atómicos, continuava a sua jornada…

Planeta 3258-X-B, 29/09/2379

Nate acordou, como que de um sonho, e estava na escuridão. Algo lhe disse que não estava na nave. Não conseguia ver, mas sentiu com as mãos o frio do metal do compartimento onde se encontrava. Apurou o ouvido e pareceu-lhe escutar um tique-taque de relógio, que em breve o sobressaltava. Cu-cu, cu-cu, cu-cu! Percebeu que estava deitado num leito, como uma espécie de tarimba e levantou-se com cuidado. Às cegas, movia-se como um sonâmbulo, de pernas vacilantes e braços esticados, a tentar detectar possíveis obstáculos. Levou as mãos aos olhos e viu que um tipo qualquer de ligadura os cobria, e infrutiferamente tentou tirá-lo. Sempre temera ficar cego! Achava que a visão era o mais belo dos sentidos e sentia-se agora em pânico! Quis gritar, mas não conseguiu!

-Calma! Estou vivo e hei-de sair daqui-pensou, tentando acalmar-se e sentindo o pulsar galopante do seu coração, que latejava na sua cabeça.

Os seus pés descalços sentiam o gelado do pavimento metálico, e de certeza que não estava na Naiad. Parecia a Nate que se encontrava numa espécie de longuíssimo corredor. No silêncio quase absoluto, apenas quebrado pelo tique-taque de relógios, os passos do astronauta ecoavam como os de um colosso. Sempre a tactear, encostou-se a um dos lados do corredor, se houvesse alguma porta encontrá-la-ia. Sentia-se cansado e cada vez com mais fome. Devia ter gasto quase quinze minutos a percorrer o corredor, mas por fim, os seus dedos tocaram algo que parecia ser uma porta. Ao colocar-se em frente dela, a porta abriu-se automaticamente, e Nate avançou de passos vacilantes para o desconhecido.  Sentiu debaixo dos pés algo macio e compreendeu que devia ser uma espécie de sala alcatifada, ou algo do género. Pelo menos saíra do corredor. Uma voz que lhe falou, quase lhe fez parar o coração:

-Ah, és tu! Estava a ver que não aparecias! Entra.

Nate sentiu tanto medo que o suor lhe escorreu pelas costas abaixo e quase se urinava involuntariamente. Apurou o ouvido para tentar descortinar de onde viera o som daquela voz, mas não conseguiu descobri-lo. Só agora reparava no som contínuo e perturbador do tique-taque de dúzias de relógios, que enchia aquela divisão. Uma mão invisível agarrou-o por um braço!

-Malditos! Sempre a tentar roubar-me os relógios!-rugiu aquela voz masculina.

Nate engoliu em seco:

-Eu não roubei nada! Nem conseguia roubar a chucha a um bébé, se quisesse!-lamentou-se.

-Não és tu, Nate, são eles! Não os ouves?! Sempre a rondar, sempre a farejar uma distracção minha! São doidos por relógios-inspirou fundo e prosseguiu-Bem, desculpa, às vezes fico um pouco entusiasmado.

-Como sabe o meu nome? Quem é você? Onde estou?-perguntou de um fôlego o abismado astronauta.

-Estava escrito no teu fato espacial. Quando te tirámos da nave estavas mais frio do que um…

-Tirámos? Quer dizer que há mais gente aqui?-bradou satisfeito Nate.

-Que tolice! Não, por todos os deuses! E ainda bem! Tirámos, eu e os andróides. Aliás, eles tiraram e eu comandei a operação daqui. Sou agorafóbico, percebes? Não suporto o ar livre.

-O homem é maluco! Onde é que eu vim parar!-pensou Nate.

-Mas ainda bem que estás aqui, sabes? Podes ajudar-me a afastar esses diabos que me assaltam! -disse-lhe o seu estranho anfitrião.

O estômago de Nate roncou, pondo fim àquele breve diálogo.

-Deves estar cheio de fome, nem me estava a lembrar disso. Deixa-me programar aqui alguma coisa no conversor.

O astronauta percebeu que o seu misterioso anfitrião se afastava um pouco e escutou o som de botões a serem premidos e depois o ruído de ar deslocado. O seu anfitrião abriu qualquer recipiente e tirou de lá pratos e copos, a julgar pelos sons que Nate ouvia. O astronauta foi conduzido por um braço até um sofá e o estranho colocou-lhe o prato nos joelhos e o copo na mão. Era uma espécie qualquer de peixe delicioso com um sumo de fruta a acompanhar. Nate devorou a comida num ápice.

-Sumo de mangostão, altamente rico em nutrientes-elucidou-o o homem.

-Quer dizer que a pessoa pode pedir numa máquina a comida que quer?-questionou-o o astronauta.

-Sim, mas eu não tenho muita pachorra para decorar os códigos das refeições. Um dia ensino-te a trabalhar com a máquina, depois vês

-Porque tenho estas ligaduras? Nate tocou ao de leve com a mão direita nos olhos, por cima da gaze.

-Bem, quando te tirámos da nave, estavas metido num bloco de gelo. Decerto já ouviste falar de casos destes lá na Terra? Uma espécie de criogenia não programada. Quis a sorte que as condições a bordo da nave permitissem a tua tão boa conservação.

-Na Terra?! Quer dizer que não estamos na Terra?! Onde estamos então?

O outro não lhe respondeu.

-O problema é que os teus olhos não estavam bons! Tivemos de deitá-los fora!-disse-lhe o seu anfitrião.

Nate cuspiu os restos de comida que tinha na boca e pela primeira vez sentiu medo na vida!

-Dddeitaram-nos fora, como? Cegaram-me seus sacanas!!-vociferou.

-Ficaste congelado em ponto de conservação criogénica, mas o problema é que ficaste de olhinhos abertos! Deste cabo deles, pá!-respondeu-lhe o misterioso homem.

– Vou ficar cego! E para sempre!

-Calma, já encomendei uns olhos novos para ti! Isto é que é ser amigo, hã?-e num aparte para o astronauta-Consegues ouvi-los? Vêm roubar-me!

-Quando chega a nave que traz os olhos? Quem vai operar-me? Esclarece-me e poupa-me a esta angústia insuportável!

-Tenho um andróide especializado nisso. Olha, a mim tem-me posto fino sempre que necessito. Ninguém diz que tenho…, bem, que tenho uma certa idade. Oh, não há nave nenhuma, Eles põem aquilo no ponto de envio de encomendas da Terra e eu recebo aqui, na minha caixa de correspondência!-disse-lhe o seu anfitrião.

-Assim, sem mais?-estranhou Nate.

-Aquilo vem a viajar sob a forma de energia nas ondas Taur e aqui solidifica de novo, por assim dizer-respondeu-lhe o outro com naturalidade.

-Pensei que houvesse uma nave…Quero voltar para a Terra, ver a minha família.

-Parece que isso é pouco provável. Sabes qual é a data? Oh, oh! Olha, vou ajudar-te -O tipo parecia mesmo divertido com aquilo – Dois mil trezentos e setenta e nove! Lá, lá, lá! Percebes que séculos se passaram desde que deixaste a Terra?

Nate estava em estado de choque com tão brutal novidade e deixou-se cair de joelhos, vencido e prostrado.

-Não, meu Deus, não!! – gemeu – Por favor!! Tudo morreu! Tudo o que eu amo está morto!

-Quem te mandou passar todo este tempo nesse congelador improvisado? Agora ficarás aqui, a fazer-me companhia. A vida pode ser cruel, mata-nos, então a eternidade…-e depois baixinho, como se estivesse a falar consigo próprio – ah, se eu tivesse coragem…

-O homem é doido varrido. Preso! Num planeta desconhecido com um lunático                           -pensou Nate. Contudo, estendeu-lhe a mão. Já mais calmo não se queria precipitar.

-Como te chamas?

-Se adivinhares o meu nome transformarei a palha em ouro!-respondeu-lhe o outro, numa alusão adulterada ao célebre conto de fadas de origem germânica.

-Rumpelstiltskin!-respondeu de imediato Nate, que se recordava tão bem daquela história, da sua infância.

-Sim, esse será o meu nome para ti-disse Rumpelstiltskin meditabundo, mas logo mundou de disposição – Agora vem, meu amigo. Temos muito que fazer!

-Há mais gente neste planeta, não há? – perguntou-lhe o astronauta, ansioso por sair de perto daquela companhia que lhe causava arrepios.

-Sei lá eu! Vês aqui mais alguém? – disse-lhe Rumpelstiltskin, de muito mau humor.

Nate berrou:

-Não vejo nada, mas gostava! Ouve, estou farto destes jogos, põe-me em contacto com as autoridades do planeta!

-Receio que isso não seja possível de momento,-respondeu-lhe o seu anfitrião – as comunicações têm estado caóticas. Além disso, é necessário que te instales primeiro.

Rumpelstiltskin apertou um botão para chamar os andróides, que o serviam. Nate ouviu passos a aproximarem-se e sentiu na sala a presença de vários personagens.

-Ouçam todos! – principiou o seu misterioso anfitrião – Este senhor é meu hóspede, e devem obedecer-lhe a ordens de grau dois! Levem-no para um quarto livre e tratem de instalá-lo. À hora do jantar tragam-no para o salão principal.

Virando-se para o malfadado astronauta, continuou:

-Ah, Nate! Tenho muita pena que não consigas ver as carinhas deles! São andróides muito perfeitos, de carne e osso! E não sabes o que lamento que não possas apreciar como deve ser a minha colecção de antiguidades. De que vale a pena ter uma colecção se não há ninguém para admirá-la? E os andróides são uns brutos, apesar de tudo, não compreendem as subtilezas da Arte. E o pobre Doutor, o meu andróide mecânico, só fala de medicina e do estado do tempo! O que é de pouca utilidade, convenhamos! No resto funciona como um relógio suíço!  Bom, vai lá, come, bebe, dorme, estás à vontade!

-Só pode ser! Vim parar a um manicómio espacial! Ou isso, ou estou no Inferno, morri e estou no Inferno!Um inferno kafkiano.-eram estas as ideias que assaltavam o cérebro do malogrado astronauta.

Os andróides, obedientes ao seu mestre, conduziram-no com cautela até uma divisão que Nate percebeu estar confortavelmente mobilada.

-Quer tomar banho senhor? – inquiriu um dos seres artificiais.

-Sim, por favor – respondeu-lhe Nate, sem grande entusiasmo.

Ouviu o som de água a correr e depois dois andróides trataram dos preparativos necessários para que tudo estivesse pronto para Nate se banhar, tendo a precaução de avisá-lo quanto aos cuidados que devia ter com as ligaduras. Como o seu anfitrião tinha dito, os andróides eram feitos de carne e osso, mas limitados intelectualmente. Estava curioso por conhecer o tal Doutor, a preciosidade mecânica de que Rumpelstiltskin falara. Um andróide interrompeu-lhe as cogitações íntimas.

-Senhor Nate, por voz pode comandar diversos controlos. Se quiser ouvir música basta dizê-lo e pedir o que deseja. Se quiser que lhe seja lido um livro, basta pedir e indicar o título.

Dito isto o androide saiu do aposento.

-Bom descanso, senhor-disse outro andróide com a sua voz sem emoção, antes de sair também.

Nate não conseguiu descansar nada, deitado na cama só pensava em tudo o que lhe acontecera. Sentia em todo o seu corpo uma angústia indescritível, e durante horas pensou com muita tristeza na Terra e naqueles que deixara para trás, afastados da sua vida para sempre, principalmente Alexandra. A chegada de um andróide para conduzi-lo à sala de jantar, veio despertá-lo das suas mágoas. O andróide trazia consigo roupas e sapatos para o astronauta, e, com a ajuda daquele, já vestido e calçado, Nate deixou-se conduzir à sala de jantar.

Na sala, Rumpelstiltskin martelava furiosamente o teclado de um piano, mas não tinha grande talento para a música!

-Gostas? Fui eu que compus, sou um artista! – gabou-se o estranho homem.

-É muito bonito – mentiu Nate.

-Ora cá está o nosso rapaz-saudou uma voz jovial.

Nate deu um salto e Rumpelstiltskin riu-se.

-É o doutor, é um pândego! – afirmou com convicção.

O autómato continuava:

-Essa saúde, boa? Um rapaz deve alimentar-se e moderação nas noitadas, hein!

Entretanto ao piano, assassinava-se a Ronda alla Turca de Mozart. Rumpelstiltskin deixou o piano em paz, depois de ter tentado infrutiferamente tocar um nocturno de Chopin, e dirigiu-se à mesa. O andróide conduziu Nate a uma cadeira. O doutor também se sentou à mesa, embora não comesse. Só falava. E pelos cotovelos!

-Que há quanto a esta chuva, hein? – prosseguia o autómato.

-O doutor monta e desmonta uma pessoa sem pestanejar! Fica catita! – atalhou Rumpelstiltskin – Depois do jantar vamos até ao salão onde tenho as peças. Tenho de tudo: livros, louças, jóias, quadros, é uma colecção de arromba! Mas agora vamos à janta. Para mim pode ser rosbife com pudim Yorkshire. Pede o que quiseres Nate, que os andróides vão buscar ao conversor.

-Sei lá, pode ser a mesma coisa, – disse Nate, desanimado – Quando chegam os meus olhos?

-Calma, a coisa demora – redargiu o seu anfitrião.

-Calma, nada! Estou sem olhos, não é brincadeira! –O astronauta atirou com um copo de pantanas! O líquido arroxeado foi embeber-se na alcatifa.

-Pronto, alguém já bebeu de mais! Cuidado com o que desejas, porque pode tornar-se realidade – avisou-o Rumpelstiltskin, com um tom de voz rancoroso.

-Que quer dizer com isso?!-retorquiu-lhe Nate num rompante.

-Quando tiveres os olhos podes ver coisas que não gostarias de ver! Olha, fazemos assim… se adivinhares o meu verdadeiro nome, dou-te os olhos!! Ah, ah! – e voltando-se para os andróides, em tom de festa – Mais vinho! Chateâu Lafite 1999 vintage! Nada é bom de mais para o meu convidado!

Nate levantou-se furioso e tentou avançar contra ele, mas foi detido por braços fortes de andróides!

-Louco! Que jogos são estes?! Devolve-me a vista! És insano, chanfrado por completo!-vociferou contra Rumpelstiltskin.

-O nosso hóspede está um pouco nervoso, o melhor é dar-lhe um sedativo e pô-lo a dormir-disse este para os andróides.

Seguidamente disse para Nate:

-Magoaste-me! Depois de tudo o que fiz por ti! Vai dormir!

Os andróides obedeceram às ordens do seu patrão e Nate foi levado por quatro pares de braços para o seu quarto, onde lhe deram qualquer injecção de um soporífero, pois em escassos minutos estava a dormir.
Sonhou com os cabelos dourados de Alexandra, e com os passeios pelos verdes campos de Inglaterra, junto a Cambridge, onde a conhecera. Acordou sentindo-se descansado e resolvido a tirar as ligaduras que se enrolavam em torno da sua cabeça, cobrindo-lhe a vista. Não foi fácil, mas com afinco conseguiu soltar uma ponta e começou a desenrolar aquele tecido. A cada volta, rezava para tudo não passar de uma brincadeira de muito mau gosto do seu enigmático salvador e tinha esperança de conseguir ver. Porém, não conseguiu conter um grito de dor desespero.

-Não, não!!

As trevas persistiam e Nate conseguiu apalpar aterrorizado as cavidades nuas onde antes tinham estado os seus olhos. Teve uma vontade irreprimível de vomitar e como não encontrou os sanitários sujou o chão do quarto e a cama, antes de perder os sentidos. Quando voltou a si, os andróides estavam junto dele e a voz do doutor tranquilizou-o:

-Apenas uma emoção mais forte, nada mais. Repouso e nada de cavalarias altas! E este sol, hein? – O repertório do autómato era sempre o mesmo.

A voz de Rumpelstiltskin fez-se ouvir também:

-É pena, logo hoje que ias conhecer a minha colecção! – E para entes invisíveis-Quietos, pá! Sempre a rondar-me a porta! – e dirigindo-se de novo a Nate – Fica para outro dia! Vou pedir aos andróides algo substancial! Estes pratos são confeccionados segundo padrões dos melhores cozinheiros de sempre!

E voltando-se para os andróides pediu:

-Tragam do conversor um bife de vaca Wagyu com batatas fritas e salada e uma caneca de cerveja trapista belga. Para a sobremesa qualquer coisa bem doce, para dar energia. Mousse de chocolate bicolor!

Os andróides apressaram-se a sair e ir buscar a comida.

-Eu hoje como no laboratório. É uma pena…podíamos ser tão amigos, Nate. Mas esse teu mau feitio não me agrada nada! Tenho a certeza de que vais gostar da comida. Aqueles bifes são realmente tenros e suculentos e aquela cerveja faz corar de vergonha as águas sujas a que costuma dar-se esse nome! Eu por mim já estou um bocado enjoado, sim o que é bom também enjoa! -declamou tristemente.

Nate sentiu o ódio fervilhar dentro de si, mas não disse nada, além de um adeus seco.

-Bem, tenho que fazer. O fardo do dever é pesado!-despediu-se o seu anfitrião.

-Caí no planeta manicómio, gerido pelo rei dos malucos! –pensou o indignado astronauta.

O astronauta comeu no quarto. A comida estava deliciosa e o registo devia ter sido feito realmente segundo o melhor bife! Pediu uma garrafa de vinho a um andróide.

-Perdão, mas não estamos autorizados a trazer-lhe esse tipo de substâncias sem ordens expressas!-respondeu-lhe o ser artificial.

-Então vai para o raio que te parta! Rua daqui! Desaparece! – berrou-lhe o astronauta. Correu com o andróide a pontapés e passeou no quarto como um leão enjaulado.

Foi interrompido com a visita de um andróide que vinha anunciar-lhe que Rumpelstiltskin o informava de um jantar de cerimónia, que oferecia em sua honra e por ter encontrado finalmente a resposta para as suas longas pesquisas. Nate não teve outro remédio a não ser aceitar o convite. Estava cada vez mais preocupado com o seu destino, uma vez que crescia em si a convicção de que o homem que o salvara e acolhera sofria sem dúvida de perturbações psíquicas. Quem sabia o que desconhecido lhe reservaria?
Nessa noite, depois do jantar de gala, que lhe era oferecido, composto por ovos escoceses, ostras gratinadas, linguado em massa folhada, perna de porco à flamenga e bolo de queijo, Nate foi encaminhado com o Doutor e o seu anfitrião para a sala das colecções, onde Rumpelstiltskin passou a fazer o papel de cícerone:

-Este tapete que pisamos é uma obra de arte persa dos finais do século XIX! Lã pura!

Pouco depois o homem começou a meter-lhe coisas na mão:

-Sente este livro: encadernação em pele de crocodilo, de finais do século XVIII. É magnífico!

Andavam mais uns passos e Rumpelstiltskin tornava:

-Pega nesta travessa! Sente a textura! A leveza! Porcelana chinesa da Companhia das Índias!

Andaram por ali, a pegar nesta e naquela peça, sempre acompanhados pelas divagações monocórdicas do Doutor.

-Ah, mas agora estamos a chegar ao ponto alto da minha colecção! É magnífico! Sim, esta peça é única. Pega nela!

O enfastiado Nate, sentiu como um pesado cilindro de vidro nas suas mãos, e este parecia estar cheio de um líquido e qualquer coisa sólida.

-O que é isto? Parece um garrafão meio cheio?!

-É uma cabeça de cosmonauta russo do século XXI! É estupenda! Tarárá! Toquem as trombetas!- bradou Rumpelstiltskin.

Com o choque, Nate deixou cair o cilindro, onde a cabeça de Sasha flutuava em álcool, antes de pronunciar com dificuldade:

-Meu Deus, Sasha! Abutre, carniceiro! – injuriou Rumpelstiltskin.

-Pelo menos não usei o crâneo dele como pisa-papéis! Eh, eh! – o seu anfitrião parecia deliciado com tudo aquilo.

No chão o pavimento absorvia o álcool, e a cabeça de Sasha encontrava-se ao abandono!

Rumpelstiltskin chamou dois andróides:

-Salvem a cabeça, rápido! É uma peça de grande estimação!-e dirigindo-se a Nate- Já viste meu trapalhão, ias dando cabo da cabeça do nosso amigo!

-Como é possível?! Pobre Sasha!

-Estava morto e congelado na nave. Achei que ias gostar desta lembrança e fiz-te o favor de guardá-la com carinho! – disse Rumpelstiltskin com grande orgulho.

-Que outras surpresas me aguardam aqui? Morte. Loucura e morte. Sinto o cheiro da podridão!-pensou Nate-Algures no Universo, um MacBeth perverso, com a sua corte de andróides e robots.

Já não quis saber de mais nada. Pediu a Rumpelstiltskin que o deixasse recolher-se aos seus aposentos, devido ao choque que recebera. Acompanhado por um andróide saiu da sala das colecções, deixando atrás de si as gargalhadas alucinadas do diabo que o salvara.
Os dias passavam e Nate sentia cada mais que estava a perder a razão. Toda aquela pressão estava a dar-lhe cabo dos nervos, e os jogos psicológicos que a mente doentia de Rumpelstiltskin inventava não lhe davam descanso. Desejava ardentemente adivinhar o seu nome na esperança de que ele cumprisse o prometido e lhe devolvesse a vista, mas já não sabia bem o que era real e o que era fantasia. Muitas vezes pensava que o que estava a viver era apenas um pesadelo e que iria acordar na Naiad, e tudo estaria em ordem.
Dava voltas à cabeça, desfiando nomes perante Rumpelstiltskin na esperança de conseguir obter o que tanto desejava. Ultimamente estes momentos terminavam invariavelmente com Nate a perder a paciência e a virar-se contra o seu salvador. Naquele dia não foi diferente.

-Qual é o teu nome? John, Michael, Paul, Jones…responde-me, raios te partam!! Quem és tu? Anjo ou demónio, que fiz eu para me atormentares? Filho de uma cabra!

-Sempre frio, meu rapaz! Mas acho que no fundo um moço inteligente como tu sabe a resposta à pergunta que todos os dias colocas a ti próprio – disse-lhe Rumpelstiltskin num tom de voz bilioso.

Nate achava que sabia, mas até tinha medo de pronunciar esse nome. Sentia a garganta seca e amarga e um nó no estômago. Encheu-se de coragem e com as frontes perladas de suor, suspirou:

-Nate. É esse o teu nome! Nate, Nate, pronunciou o astronauta, segurando as frontes entre as mãos, como que acometido por dores lancinantes – Sou atormentado pelo fantasma de mim próprio!

-Ih, ih, ih! Se eu usasse chapéu tirava-to! Abracadabra! – disse-lhe o seu alter-ego.
Rumpelstiltskin pôs-se a dançar à maluca! Quando parou, com um sorriso cruel nos lábios, divertiu-se a atormentar Nate com a sua história:

-Claro que essa cabecinha deve estar a fazer muitas perguntas. Eu tenho todas as respostas de que necessitas!! Que fizeste para eu te atormentar? Nasceste. E eu não consigo suportar-te e o sofrimento que me causaste com a tua estúpida viagem a Neptuno! O grande herói! Não há correio nenhum da Terra, e aliás ninguém sonha que eu estou aqui! Para a Humanidade já morri há muito. Quanto aos teus olhos, tive de tirar-tos, para que não contemplasses o horror, mas estão bem guardados, digamos assim. O doutor vai implantá-los, porque seria chato nós ficarmos sem ver, não achas? Quis torturar-te, com o teu maior receio. Mas agora quero que vejas aquilo em que nos tornámos!

-Eu sou tu e tu és eu!!!! Mas como?! Como?? – Nate estava boquiaberto e ainda incrédulo.

-A clonagem é uma bela aventura! Cerca de cem anos depois do nosso acidente, a nave entrou na órbita deste planeta, já colonizado então pela Terra. Os detectores deram o sinal e da superfície enviaram naves para recolher a Naiad. Encontraram-nos e ao Sasha, mas quanto a ele não havia nada a fazer. Por não sei que razão, guardei a cabeça dele embalsamada, sempre era uma cara conhecida. A única, cem anos depois! Perder tudo o que se conhece é muito duro! Fui bem recebido aqui, mas não tinha para onde ir. A Terra, cem anos depois? Não era possível! Tinha caído na barbárie após décadas de guerras devastadoras.

-A Terra, mergulhada no caos!-murmurou Nate.

Rumpelstiltskin continuava:

-E pior era ser tratado como um fenómeno de circo, o tipo do século XXI! Tive de suportar esses abutres anos a fio, não me deixavam em paz! É certo que ganhei muito dinheiro, mas há uma altura em que até o ouro já não brilha da mesma maneira. Por isso tive de pensar num plano. Oito anos depois de estar aqui, houve uma grande catástrofe que obrigou à evacuação do planeta! Ah, ah! Uma catástrofe montada por mim. Consegui com muito trabalho infiltrar-me no gigantesco computador Corbex, e as previsões que ele emitiu para todo o planeta foram tidas como muito credíveis, e antecipavam actividade sísmica de tal ordem que não ficaria pedra sobre pedra. Foi decidida a evacuação da população para um planeta habitável. Era o que eu desejava. Não queria nada que andassem a meter o nariz nas minhas pesquisas e as apreendessem ou que reparassem nos desvios de energia que eu estava a levar a cabo.

-Louco! Será que não te deténs perante nada?!-indagou Nate.

-Claro que não!! Hei-de ter a minha vingança!-vociferou.Mas agora cala-te e deixa-me continuar-admoestou-o o seu anfitrião-Escondi-me até todos partirem e então com a ajuda de Corbex, o computador central desta base subterrânea, pus em prática a minha primeira ideia: os conversores de energia, que permitiam assegurar a minha alimentação e materiais de que necessitasse para as minhas pesquisas. Já andava a congeminar a minha grande invenção: um dispositivo que me permitisse viajar no tempo! Demorei muito até chegar aos primeiros resultados. Dezoito anos! Sempre com esses fantasmas a atormentar-me, a roubar-me os planos, os relógios de cuco, as vozes na minha cabeça!

-Doido! – Nate não se conteve.

O seu anfitrião não reagiu a esta ofensiva palavra e prosseguiu no seu solilóquio, que já não se sabia bem se era dirigido ao seu convidado, se a si próprio.

-Vi que precisava de mais tempo, de muito mais tempo! E de maciças quantidades de energia, extraídas do núcleo quente do planeta. Empenhei-me a fundo, canalizei todas as minhas forças para isso, mas consegui uma mistura de fármacos que me permitiram rejuvenescer e uma vida muito longa! Lembras-te de quando trabalhávamos na Universidade em Cambridge?

Nate não respondeu a esta pergunta retórica.

-Há cento e setenta e nove anos que cheguei a este planeta!! Sim, sou velho, velho como nunca nenhum homem o foi, mas por fora não me darias mais de quarenta anos! Trabalhei com  afinco nessa máquina do tempo, e finalmente comecei os primeiros testes há dois anos! Primeiro enviei um andróide para o passado. Não creio que tivesse lá chegado. Nunca mais soube dele! Tive de fazer alguns ajustes e afinações. Depois do primeiro teste bem sucedido pensei logo em ir buscar-me ao passado, à nave. Pensei que era essa a minha obrigação. Para que sofresses como eu, meu prisioneiro! Para que pagasses pela tua arrogância! Enviei os andróides para o passado, e eles fizeram tudo para te trazerem para aqui.

-Que loucura! Que doido estás! Ou estamos, já não sei. Toda essa vida longa e essa solidão fritou-te o miolo!-vociferou Nate.

Rumpelstiltskin não se deixou perturbar por mais esta interrupção e prosseguiu:

-Para evitar uma perturbação da linha espaço-temporal, tive de fazer um clone de nós. O clone foi envelhecido até à nossa idade à altura do acidente e transferi para o seu cérebro as nossas memórias até à data do desaire. O clone foi mantido congelado e deixado na nave em tua substituição.

Nate não se conteve e explodiu:

-Então eu sou o verdadeiro Nate! Tu és esse clone, todos estes anos depois. O outro Nate verdadeiro, salvo pelos habitantes deste planeta, já não existe! Quando ele te colocou no meu lugar no passado, deixou de existir. Tens apenas as memórias do verdadeiro e original Nate!

Rumpelstiltskin pareceu hesitar, mas respondeu-lhe com amargura na voz:

-Eu sei disso, e sei que as minhas memórias da Terra são falsas. O outro Nate quis de alguma forma que eu soubesse, que tivesse essa memória. Mas agora quero viver uma vida! Se te trouxe aqui foi para te atormentar e para te deixar a apodrecer neste lugar, em minha vez! O que tive de aguentar por este dia! Oh, o fastio de viver, o aborrecimento de morte, tudo a perder o seu brilho com os anos! Dias que pareciam anos, anos que pareciam décadas…

O clone parou, como que a recuperar as forças, antes de prosseguir, com escárnio:

-Eu sou tu! Quem pode dizer a diferença?! As nossas células são iguais, até ao ínfimo pormenor! O doutor vai dar-te os olhos e se aguentares ver, vê! Verás tanto, que chegará um dia em que aqui, sozinho, amaldiçoarás o momento em que te devolvi a vista. Quero que vejas a minha partida para melhor sentires o tormento do desespero a assaltar-te! Penso que já consegui quebrar a barreira espaço-temporal, e depois de mais uns testes viajarei daqui para a Terra do século XXI, com toda a comodidade. A máquina será programada para se destruir em seguida. Ficarás aqui, prisioneiro do teu desespero para sempre! Desejarás pôr termo à vida!!

-E então? Viaja para o passado- desafiou-o Nate – Não poderás destruir o Nate que lá existir e tomar o seu lugar! Ficaríamos sem futuro. Seria suicídio!

-Não importa! Poderei aproximar-me, e conquistar a Alexandra. Direi que sou um gémeo perdido, um sósia! Ou farei cirurgia plástica!

-Tudo isto por uma mulher?!-espantou-se o astronauta.

-Não imaginas o que é viver tanto tempo sem aqueles que amamos! E para mais sabendo que as nossas recordações não passam de uma falsidade! Quero agora a viver a vida que é minha por direito, sofri muito para merecê-la. Agora sai, preciso de ir para o laboratório.

Abalado por tudo aquilo, Nate foi levado pelo Doutor e dois andróides para a sala de operações, de onde saiu passadas três horas a caminho do seu quarto. Quatro dias depois tinha recuperado a visão, e pôde finalmente ver a sua cara aos 43 anos! Antes já tinha constatado com repulsa que os andróides tinham todos as feições do malogrado Sasha. Nate interpelou o seu clone com firmeza:

-Apesar da diferença de idades tu és eu, sem dúvida! Mas só vejo doença e loucura no teu olhar! –disse-lhe Nate.

-Ela amar-me-á só a mim! É por isso que terás de ficar aqui! Para sempre!-rosnou o clone.

-Não contes com isso! Estás louco, louco varrido! Tens de ser internado, talvez ainda te possam ajudar!-disse-lhe Nate com alguma piedade dele.

-Obriga-me, disse-lhe o clone, com ódio na voz! – e dizendo isto pegou num florete que havia na sala das colecções!

Nate esgrimira na Universidade e agora teria de enfrentar-se a si próprio! Pegou no segundo florete e começou a luta! Mas esta luta era muito diferente das lutas no clube de esgrima. Não havia capacetes, nem coletes acolchoados. E os floretes não estavam embotados, mas sim muitíssimo bem afiados.
Com o primeiro golpe do clone, Nate, que estava desprevenido sofreu uma estocada no braço esquerdo e sentiu o calor do seu sangue que lhe ensopava a camisa. Concentrou-se para não se deixar apanhar de surpresa de novo e o som do aço a chocar contra aço ecoava na sala das colecções.
O clone e o astronauta procuravam uma brecha nas defesas do adversário, para poderem aplicar uma estocada decisiva, mas o aço continuava a encontrar o aço e não o corpo de nenhum dos contendores. O suor escorria pelas faces dos dois homens e terminava por precipitar-se para o chão. O clone estava cheio de uma vontade cruel de magoar Nate, e isso via-se na maldade que tinha agora estampada no rosto. Apercebendo-se de um descuido de Nate ensaiou como um relâmpago um ataque em flecha, que teria sido bem sucedido se o Doutor não tivesse entrado na sala das colecções e distraído por um segundo o clone.
Esta distracção permitiu a Nate defender-se do ataque e ripostar com uma estocada que fez o florete penetrar profundamente o peito do seu adversário. O clone caía, com a lâmina do florete a sair-lhe pelas costas, mas Nate não conseguiu ter pena de si próprio. A morte do clone quebrara os inibidores que este colocara no Doutor, cujos circuitos possuíam memórias roubadas do cérebro de Sasha:

-Nate, o clone tinha já acabado as pesquisas. Poderás viajar para a Terra, para uma data anterior à da nossa viagem. Quando lá chegares, tem cuidado, mas faz tudo por tudo para que aquela viagem não se realize, ou para que não sejamos nós a fazê-la! Parte-nos as pernas, explode a nave, sei lá! Faz tudo o que estiver ao teu alcance. Se fores bem sucedido, tu e eu, tal como estamos aqui não acontecerá, mas aquele Nate e aquele Sasha terão um futuro para viver! Talvez o Nate que criou o clone, soubesse o que viria. Talvez ele quisesse que tu te salvasses e fosses para a Terra. Tu, um Nate não marcado pelo ódio, pela solidão e pela loucura. Quis dar essa oportunidade a si próprio! Para fazeres o que tinha de ser feito! Para isso era necessário que as coisas se desenrolassem como sucedeu. Era isso que ele queria quando colocou certos condicionamentos mentais no clone, que o levaram a progredir na direcção certa! Certamente quererás partir o quanto antes.

-Sim, quero acabar com  isto o mais rapidamente possível-respondeu-lhe o astronauta.

Nate estava comovido, e antes de entrar na máquina disse-lhe:

-Adeus meu amigo!

O autómato com as memórias de Sasha limitou-se a acenar. A porta fechou-se atrás de Nate e depois de marcar Janeiro de 2100 no visor do tempo e Terra no visor do espaço, limitou-se a carregar no botão de partida sem olhar para trás.

FIM

João Franco (n. 1977 em Lisboa), é licenciado em Relações Internacionais e pós-graduado em Estratégia pela Universidade Técnica de Lisboa. Publicou dois poemas na colectânea Poiesis, vol. XVI (2008), a colectânea poética Azul Profundo (2012) avançando depois para a prosa com o conto O teu semblante pálido, na Revista Lusitânia (2013). No campo da não-ficção é autor do livro Sun Tzu e Mao Zedong-Dois estrategas chineses (2012) e tem artigos publicados em periódicos como Finis Mundi, Revista Intellector, Revista de Geopolítica, Nova Águia, Boletim Meridiano 47, O Dia e Jornal de Defesa e Relações Internacionais. Tem também experiência na área da tradução.